terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Medo por ser mulher

Recebemos um email de Ariane Corniani relatando a violência que sofreu nas proximidades de uma estação de metrô em Sâo Paulo. Ariane tem 25 anos e publicou seu depoimento no blogMistura Urbana com o título “O dia que eu tive medo por ser mulher”:

Hoje eu fui à subprefeitura da Mooca, em São Paulo, resolver uns problemas da minha empresa. Por ser muito próximo à estação Bresser-Mooca do metrô, voltei andando até a estação para mais um dia de trabalho. Nunca tive problemas, conheço o bairro há mais de 10 anos e nunca fui vítima de nenhum crime, estava bem tranquila. Ao atravessar a Radial Leste, sob o Viaduto Bresser, um homem começou a “mexer” comigo, me chamar de gostosa e outras obcenidades piores que não tenho interesse em repetir mais uma vez. Fiquei com medo porque nem os moradores de rua que costumam ficar pela região estavam por lá. A rua estava vazia, apesar de já ser 10h. Não tem comércio, salvo alguns botecos bem pés-sujos, não tinha pra onde correr ou a quem pedir ajuda quando os ~elogios~ passaram a ser ameaça de estupro: entre outras coisas o homem dizia que ia me furar e fazer barbaridades comigo, eu acelerava o passo e a fonte das ameaças também. Desesperada, virei pra trás pra reconhecer o indivíduo, que não passava de um, aparentemente cinquentão, branco, apresentando sinais de embriaguez, com não mais de 1,60m. No ímpeto do ódio, também querendo chamar atenção de quem pudesse ouvir, soltei um sonoro “VAI SE FODER, SEU FILHO DA PUTA!”, e corri. Não tinha policial na rua, um ou outro transeunte ou taxista passava, saí correndo, me atirando na frente dos carros e entrei no pronto-socorro do hospital logo adiante.

Suando em bicas, chorando, tentando telefonar para o meu marido e ainda assim ABSOLUTAMENTE NINGUÉM na recepção do pronto-socorro se mostrou solidário. Olhando pela janela pude ver o agressor passando duas vezes em frente ao hospital. Sentei na recepção e esperei o tempo passar. Quando achava que estava tudo bem, saí rumo ao metrô, observando se não era seguida. Não era. Mas para minha surpresa, ao adentrar na estação, o agressor estava lá, na fila da bilheteria. Nunca tive tanto medo e TUDO passou pela minha cabeça: “esse cara vai me ver e vai me seguir”, “vai saber onde eu trabalho”, “vai continuar mexendo comigo”… Atravessei o bloqueio e fui direto pedir socorro a um grupo de seguranças do metrô, que prontamente abordaram o indivíduo e tentaram me proteger da exposição. Num canto reservado registraram a ocorrência e tentaram me acalmar com um copo d’água. Me informaram sobre os procedimentos necessários para o registro criminal da ocorrência, que faz muita gente desitir de prosseguir com a queixa. Certa de que, como mulher, é minha OBRIGAÇÃO impedir que pessoas nojentas como esse homem fiquem livres para ameaçar, agredir ou pior, estuprar outras mulheres, decidi prestar queixa. Continue lendo em O dia em que eu tive medo por ser mulher.
Vagão exclusivo para mulheres no metrô do Rio de Janeiro. Foto de Eduardo Naddar/Agência O Dia

Ariane não foi estuprada e nem sofreu lesão corporal, mas pergunto: é comum um homem passar pelo que ela passou nas ruas de uma grande cidade? É comum um homem ser assediado por meio de palavras grosseiras e em seguida ser perseguido e ameaçado de estupro? Sabemos que não. E essa infelizmente é uma face da misoginia e do machismo com a qual muitas mulheres precisam conviver. Nós já falamos inúmeras vezes que o machismo não atinge apenas as mulheres, mas infelizmente essa é uma de suas formas mais evidentes.

São fatos que limitam o direito das mulheres ao espaço público. Essa interdição reflete uma dicotomia entre pessoal e político, que o feminismo tenta desconstruir. Nas cidades – onde se exerce o que ficou conhecido como cidadania – a presença da mulher ainda é conflituosa. Homens e mulheres têm vidas urbanas diferentes; mesmo que a falta de segurança seja um problema para todos, para as mulheres o medo é maior. Continue lendo em O corpo é meu, a cidade é nossa por Barbara Lopes.

Nas cidades brasileiras o assédio representa uma das formas mais perversas de violência contra a mulher. Em transportes coletivos as roçadas, encoxadas e passadas de mão são práticas cotidianas, que muitas vezes paralisam, pois as mulheres não são educadas a revidar, somos ensinadas a baixar a cabeça e seguir nossos caminhos. Talvez algumas pessoas pensem que o caso de Ariane é isolado, que o sujeito que a ameaçou e perseguiu é um maluco, mas não é isso que vemos nos relatos de várias mulheres pela internet:

Saindo da área do camping, percebi que não estava com minha credencial, abri a bolsa e comecei a procurá-la e ao ver que eu ia para barraca e falei para o meu filho me esperar lá, ele decidiu me acompanhar (achei esquisito, mas pensei que ele estivesse desconfiado que eu não possuísse crachá). Quando chegamos, vendo que eu só tinha a chave de duas barracas, perguntou onde estava “o meu esposo” – e a burra aqui ainda disse que não tinha mais “esposo”. Ele ficou olhando eu procurar o crachá, com metade do corpo fora da barraca, metade dentro, e enquanto isso puxava assunto. Quando eu estava terminando e me levantando pra sair da barraca, ele falou: “Viu, eu vou querer tomar um café com vc. Mas não agora! Mais tarde, lá pelas duas da manhã”. E quando eu havia finalmente me levantado ele me pegou pelos braços (sabem meninas, quando não dá muito pra mexer o braço?) deu um daqueles olhares incisivos e disse com voz enfática ” porque mulher como vc não é pra ficar sozinha por aí”. Continue lendo em Assédios por Ladyrasta.

Quase todo o dia tenho que me conformar com um “aí sim, hein?!” (esse já virou clichê!), “oi princesa”, “que coisa linda”… e por aí vai. Até aí eu aguento e se estou em dias bem humorados, até dou uma risada simpática como resposta. Outras vezes mostro aquele dedo para dizer “não quero papo” e outras grito um sonoro “vá se f*” e sigo pedalando. Mas, uma hora a gente perde todo o tipo de paciência. E a minha hora chegou hoje.

Nove horas da manhã, indo para o trabalho, na Rua Simão Álvares, entre as ruas do Pinheiros e Arthur Azevedo, em uma subidinha me aparece uma kombi escrita Horti-Fruti com quatro rapazes dentro. O passageiro do banco da frente enfiou o rosto para fora para jorrar algumas frases obscenas que não tenho coragem de repetir aqui. Eu poderia seguir o meu caminho, estava atrasada, pra quer dar atenção a estes cabeças de bagre? Mas hoje a minha tolerância se esgotou. Continue lendo em Desculpas… por Evelyn.

A violência está espalhada pelos centro urbanos. Porém, homens e mulheres vivem, sentem medo e enfrentam experiências e restrições de maneiras diferentes. Mulheres sentem muito mais medo do assédio e da violência sexual, seja de dia ou de noite. Há desde preocupações com o assédio sofrido nos transportes coletivos até a preocupação com estupros que limitam a mobilidade das mulheres e reduzem seu acesso a espaços públicos. Porém, o pior é saber que muitas vezes as mulheres são culpabilizadas pela violência que sofrem:

Passei a andar no vagão das mulheres sempre que saio à noite. Seja em Tóquio, na Cidade do México, em Nova Délhi ou no Rio. O recente caso de uma estudante de 21 anos molestada por um advogado no metrô de São Paulo denuncia o chikan paulistano. Um trem lotado e uma mulher jovem o encorajaram a agir. A moça desmaiou de pânico. Há quem diga que para contornar a persistência do abuso e a universalidade dos chikans a saída seriam os vagões só para mulheres. Enquanto espero o metrô em horários de pico já ouvi a tese de que o vagão feminino seria um privilégio indevido em uma sociedade que não discrimina homens e mulheres. Esse é um falso e superficial julgamento sobre as razões para a segregação espacial no transporte. O vagão de mulheres institucionaliza a violação de um direito fundamental da igualdade de gênero: o direito à mobilidade. O medo do abuso, da violência sexual ou da injúria sexista é uma barreira permanente para as mulheres no direito à mobilidade livre. Continue lendo em Privilégio à custa de assédio por Debora Diniz.
Metro Woman. Foto de Arroz com Nori no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

Mulheres sempre tem que ser mais precavidas, temos medo por sermos mulheres.Porém, não devemos ser as únicas responsáveis por nossa segurança. O Estado e a sociedade devem garantir segurança para as pessoas. E segurança não diz respeito só a proteção contra a violência, mas também as decisões que as mulheres são forçadas a tomar, referentes as roupas que usam ou trajetos que precisam fazer, por medo ou insegurança. A falta de liberdade das mulheres nas cidades também está relacionada ao “lugar” da mulher na sociedade. Às regras conservadoras que ditam o que é apropriado ou não para uma mulher. E a mídia segue perpetuando esses paradigmas ao retratar a violência contra a mulher travestida de humor no programa Zorra Total e em vários outros programas. O programa de tv não é o culpado por existirem casos de assédio no metrô, mas ao retratar violência e assédio como piada, corrobora e reforça um comportamento abusivo.

O debate da violência contra a mulher seja nos transportes públicos, em casa, nos espaços de militância política, hospitais, universidades são debates concretos, é preciso desmistificar o simbólico que muitas vezes está entranhado em nossa sociedade, porém apenas com apontamentos de soluções efetivas para combater a violência nestas diversas frentes é que nós mulheres realmente teremos avançado na disputa pela nossa própria vida; algo que tanto para o senso-comum, quanto para a grande mídia parece não ter grande relevância, mas pra nós que a vivemos cotidianamente. Continue lendo em Violência contra a mulher: dos abusos do metrô até a violência institucional por Luka Franca.



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